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Uma parte da produtividade individual pode ser influenciada por práticas culturais dentro das empresas, em particular no modo como se comunica e gere o trabalho. E pelo que tenho observado, para algumas pessoas, o confinamento dos últimos meses, piorou a situação mas a responsabilidade é de todos nós. A cultura improdutiva de que falo hoje é alimentada por todos mas pode, e deve, ser facilitada organizacionalmente.

Eu sei que, para muitos de nós, em particular para quem tem funções de liderança, esta cultura é o que conhecemos, o que sempre vimos, como sempre trabalhámos. Mas isso não significa que fiquemos aqui congelados, que não nos reinventemos como empresas e como profissionais. Pode não ser fácil mas temos connosco a confiança de que não estamos a percorrer este caminho sozinhos, que não estamos a reinventar a roda. Estamos só a trazer para o nosso trabalho aquilo que estudos nos dizem e práticas que outras empresas implementam com impacto nos resultados e na satisfação e empenho das suas equipas. 

Um dos maiores problemas que observo é a expetativa de comunicação síncrona, da resposta imediata, de estarmos sempre ligados. É um mal cada vez mais presente nas nossas organizações. Nos últimos 20 anos, o tempo gasto em colaboração aumentou 50%. Nalgumas empresas, 80% do tempo dos seus colaboradores é “investido” em reuniões, telefonemas, email e em mensagem instantâneas.

Se o trabalho destas pessoas não é só isto, onde conseguem tempo para fazer trabalho critico que precisam de fazer sozinhos? Muitas vezes fazem-no fora de horas. E depois achamos estranho Portugal ser o país da Europa onde há maior risco de burnout.

Além disso, a qualidade do trabalho piora muito quando trabalhamos neste modo de atenção constante à comunicação. O nosso coeficiente de inteligência reduz-se, cometemos mais erros, e demoramos muito mais tempo a fazer o trabalho. Por isso, é tão importante a nível organizacional permitir que cada um tenha momentos ao longo do dia em que realmente possa se concentrar no trabalho que depende só de si.

Neste artigo vou tentar sistematizar “as histórias” que vou ouvindo e vou deixar algumas sugestões para transformar estas histórias. Não é uma lista exaustiva e existem muito mais coisas que podemos fazer mas podemos começar por aqui.

Problema 1: sobrecarga de colaboração/comunicação e expetativas de resposta imediata

O email em particular deve ser usado como uma ferramenta de comunicação assíncrona, ou seja, não devemos ter expetativa de resposta imediata (comunicação síncrona). Além de que é sabido que a resposta imediata leva a uma resposta de pior qualidade, menos pensada (o termo técnico é “em cima do joelho”).

O que fazer?

Melhorar a comunicação

🚀 Definir internamente canais de urgência. Que meio devemos utilizar quando precisarmos de resposta imediata? Eu aposto na sms que deve ser provavelmente o canal menos usado.

E aqui podemos também avaliar qual é realmente a necessidade de resposta imediata para o nosso negócio. Precisamos de estar sempre a ver o email? A maior parte dos temas não pode esperar uma, duas, três horas? Um dia?

“Queremos deixar de pensar nisto porque sim” não se enquadra na necessidade de resposta imediata. 😉

🚀 Reduzir o número de canais de comunicação. É de loucos estarmos a gerir conversas e trabalho em várias plataformas de comunicação diferentes. Recebemos mensagens no teams, no whatsapp, no skype, no slack, etc. E como fazer seguimento de tudo isto? Provavelmente fica informação perdida ou tarefas em atraso. Devemos acordar internamente qual é O (único) canal de comunicação que agrega as conversas e que permite as pessoas fazerem seguimento do que é necessário.

Também nestas ferramentas é importante acordar expetativa de tempos de resposta.

🚀 Dar confiança aos outros de que os assuntos estão a ser tratados. Se vemos um email e só vamos dar seguimento ao que nos estão a pedir noutro dia, responder à pessoa enviando um email a informar de quando vamos tratar disso. Isto pode reduzir alguns telefonemas embora aumente o número de emails mas pronto… trazemos conforto e reduzimos outro tipo de interações. 😉

Criar condições para ligar o modo de trabalho profundo

🚀 Permitir que as pessoas desliguem as notificações durante PARTE DO DIA e criem blocos de tempo para responder. Aconselho o modo “não incomodar” no telefone com as exceções para sms se esta for a opção de canal de urgência.

Obviamente a duração dos períodos desligados e focados depende do trabalho de cada um e da necessidade para os seus objetivos de estar contactável. Tudo isto requer bom senso e não nos agarrarmos às exceções para dizer “não posso fazer isso”. 

Pode…mas o seu médico diz que não quer? 🙄

🚀 Premiar o progresso e qualidade do trabalho em vez da rapidez de resposta.

Um “obrigada pela resposta rápida” alimenta o o problema. Um “obrigada pelo trabalho extraordinário” é muito melhor.

🚀 Ter a intenção (todos nós) de reduzir o número de interrupções a menos que sejam importantes e urgentes. Importantes E Urgentes.

Cada vez que interrompemos alguém, o custo não são só os 5 minutos da interrupção para essa pessoa.

Muitas vezes é o nosso egoísmo que nos leva a interromper pois queremos despachar/resolver o nosso problema ou querermos desanuviar.

Precisamos de ser capazes de avaliar a real urgência e importância da interrupção a cada momento, de planearmos e criarmos canais para resolver os problemas que podem ser resolvidos com tempo (já retomo este tema do planeamento mais à frente).

Se precisamos de falar com uma pessoa várias vezes ao dia, podemos também avaliar se esses temas podem esperar um pouco, anotá-los todos e fazer um ponto de situação por exemplo diariamente ou duas vezes por dia. Sugiro o Dynalist para estas notas (que até podemos partilhar com a pessoa).

🚀 Identificar quais são as causas recorrentes que levam a pedidos que parecem ter necessidade de resposta imediata e minimizar as condições que levam a esses pedidos. Por exemplo, se parte das urgências são colegas a precisarem de informação, podemos organizar a informação, processos e dar acessos para que possam aceder sozinhos.

🚀 A cerejinha no topo do bolo, implementada por várias empresas, é acordar partes do dia em que está definido que só se interrompem mutuamente se for importante e urgente. Ou urgente e importante.

Problema 2: pressão social a quem prioriza ser produtivo a estar contactável

Além das dificuldades às estratégias que falei antes, há uma muito grande que é o medo, que “parece mal”, que os outros vão criticar, que vou ser prejudicado.

Culturalmente, alimentamos a falta de produtividade com a critica a quem não responde logo aos emails. Ou então usamos outros meios de comunicação (como um telefonema, mensagem instantânea, ou uma interrupção presencial) para que a pessoa nos dê resposta imediata.

🤩Algumas pessoas tentam priorizar o estar produtivo em vez de estarem contactáveis🤩 por exemplo criando momentos de tempo ao longo do dia em que se desligam. Mas quando o fazem não conseguem resistir ao medo de não estarem disponíveis para os chefes, ou serem mal vistos pelos colegas porque não viram o último email.

O que fazer?

🚀 Começar por evitar “as bocas” (outro termo técnico) e julgar quem não está sempre a ver o mail ou responde rapidamente. Essas pessoas não devem ser prejudicadas mas sim premiadas. 

🚀 Transformar a mentalidade (que é como se diz mindset em português 😉) de que todos têm de se ajustar à agenda do chefe. A função de um líder é criar as condições para que a sua equipa seja o mais produtiva possível e tenha excelentes resultados. É remover-lhes obstáculos. É deixar de ser um obstáculo e não dificultar-lhes a vida.

Uma interrupção do chefe ou uma reunião a meio do dia pode ter alto impacto na produtividade de quem tem a função de realizar trabalho profundo. Falei sobre o trabalho profundo noutro artigo recentemente. (A capacidade a desenvolver para ter mais tempo e distinguir-se profissionalmente).

🚀 Aceitar um “Agora não posso”. A maior parte das pessoas tem mais trabalho do que tempo disponível mas têm medo das consequências de o dizer.

Problema 3: excesso de reuniões

A facilidade das reuniões online tornou este problema ainda maior. Cada vez temos mais reuniões e com mais gente.

O que fazer?

🚀 Tornar as reuniões mais produtivas começando por criar uma agenda ou um plano de trabalhos para o que vai ser tratado (nem tem de ser nada muito sofisticado, podem ser uns pontos num email ou no convite da reunião).

Sempre que é convidado para uma reunião sem propósito claro, peça que lhe enviem os tópicos a falar (para se preparar 😉). Pode descobrir que afinal não é pessoa certa para participar ou que a sua presença não é necessária. 

🚀 Envolver só quem realmente precisa de estar ali. Se algumas pessoas só precisam de estar informadas, podem sê-lo usando outros meios.

Também podemos optar por dividir a reunião em várias para tratar temas diferentes de modo a cada pessoa só precisar de estar presente na altura em que a sua presença é imprescindível.

🚀 Aceitar que as reuniões podem ter menos de uma hora e usar outros canais de comunicação.

Quando trabalho o tema das reuniões mais produtivas mostro a t-shirt que diz “Sobrevivi a mais uma reunião que podia ter sido um email” e todos querem essa t-shirt. 🤣

🚀 Quando trabalhamos com pessoas que fazem trabalho profundo tentar ao máximo não lhes cortar o dia com uma reunião a meio da manhã ou da tarde para lhes dar tempo continuado de concentração para cumprirem os seus objetivos. Neste tipo de trabalho, o estado de concentração continuada é essencial para produzir de um modo produtivo, criativo e com qualidade. 

Problema 4: falta de planeamento

Parte da necessidade de resposta imediata vem da nossa falta de planeamento. E sim, não é só responsabilidade nossa. É fruto da cultura portuguesa (?). Mas apesar do orgulho nacional,  a cultura do “desenrascar” não compensa como referido num estudo sobre os gestores Portugueses.

O que fazer?

🚀 Obviamente esta abordagem não serve para todos mas toda a gente tem áreas do trabalho que pode planear, identificando quando vão fazer essa atividade e antecipando o que vão precisar de outras pessoas para lhes dar tempo para responderem.

🚀 Usar ferramentas a nível organizacional para organizar o trabalho. Pode ser um quadro branco ou uma das inúmeras ferramentas informáticas que agregam o trabalho a fazer, os prazos, o estado de cada atividade, informação necessária para a realizar e até troca de informação sobre cada atividade. Se usa o Teams, pode avaliar também o planner para não estar a trazer ainda mais uma ferramenta e ter tudo no mesmo sítio.

🚀 Escolher estrategicamente fornecedores (e também clientes) que sejam mais organizados.

O barato sai muitas vezes caro pois não contabilizamos nas nossas margens o custo de refazer trabalho mal feito do fornecedor ou o custo da gestão e acompanhamento de fornecedores que não cumprem.

Não foi à toa que a Toyota capacitou os seus fornecedores para assumirem o mesmo tipo de filosofias e práticas de produção que desenvolveram internamente, criando relações de parceria e confiança que lhes permitiam manter a produtividade e qualidade que almejavam.

Problema 5: excesso de emails com comunicação pouco clara

Investimos muito do nosso tempo em emails porque é fácil enviar um email (e pagamos o mesmo se enviarmos para um ou para muitas pessoas). Além disso, muitas vezes não somos claros na nossa comunicação, o que leva a que aquele email se multiplique em pedidos de esclarecimento e correções.

O que fazer?

🚀 Enviar emails só para quem precisa mesmo de os receber e usar corretamente os campos do email. O campo “para” é para quem tem de dar resposta ou fazer alguma coisa. O campo “cc” é para quem só precisa de tomar conhecimento.

E avaliar se temos de por aquelas pessoas em cc. Às vezes assusto-me com a quantidade de endereços no campo cc nos emails que recebo, e tenho alguma pena daquelas pessoas pois aquele email em particular deve ser a ponta do iceberg. Espero que tenham regras que lhes tirem estes emails (em que estão em cc) da caixa de entrada. 

🚀 Ser claro no que pretendemos e qual o prazo. Podemos também enviar o máximo de informação por email para que a pessoa tenha os recursos necessários para realizar o que lhe estamos a pedir (e assim minimizamos pedirem mais informação, interromperem-nos ou não fazerem como queremos). 

🚀 Escrever um texto no assunto do email que ajude a pessoa do outro lado a priorizar.

E agora? 

Tudo isto requer bom senso e vontade em transformar o modo como sempre trabalhámos.

E não é por não podermos mudar tudo que não podemos mudar algumas coisas. 

Cada vez estou mais focada nisso. Passos pequenos, dados consistentemente, levam-nos longe. 

Deixo-lhe um convite que gostava que aceitasse com carinho para fazer este caminho. 

🚀 Escolha 3 ideias das várias que partilhei e que pode fazer no seu dia-a-dia para contribuir para uma melhor produtividade das pessoas que tem à sua volta. 

🚀 Partilhe este artigo com quem decide, com colegas, com outras pessoas. Passo a passo, se todos formos adotando boas práticas, eu acredito (e acredito mesmo 🤩) que poderemos ter melhores resultados.

E sairmos do primeiro lugar dos países Europeus com maior risco de burnout.

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AO COMANDO DA OBJETIVO LUA

Ana Relvas, Ph.D & Consultora de Desempenho

Ana Relvas é a propulsora da Objetivo Lua, projeto que cresceu da sua vontade em ajudar outros a concretizarem o seu potencial e foi construído sobre uma carreira de mais de 10 anos como Gestora e Engenheira Aeroespacial.

É esta experiência que, aliada à formação como Coach e Master Practitioner em Programação Neurolinguística, permite entender os desafios profissionais atuais e desenhar programa para cada pessoa, equipa ou empresa.

 

 

 

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